Análise da variabilidade climática e das mudanças climáticas para Portos
1.1 Contexto
Áreas costeiras ao redor do mundo estão passando por mudanças no clima, como, por exemplo, aumento de temperatura, elevação do nível do mar, mudanças na precipitação sazonal, condições de vento e ondas, bem como eventos extremos mais frequentes e severos, como tempestades, ondas de calor e secas. Essas mudanças já afetam ou afetarão de diferentes maneiras os portos localizados nessas áreas. Aqui no Brasil a situação não é diferente e estudos indicam que as infraestruturas portuárias brasileiras já se encontram exposta aos impactos decorrentes de fenômenos climáticos[1].
Sem preparação oportuna e eficaz, as mudanças climáticas resultarão em danos ou falhas estruturais cada vez mais frequentes; levarão a períodos de inatividade, interrupção e atrasos operacionais; além de impactos no ambiente, em equipamentos e na segurança dos profissionais. Portanto, os operadores portuários precisam tomar medidas urgentes para fortalecer a resiliência e adaptar ativos, operações e sistemas críticos.
A compreensão das condições climáticas atuais e futuras na área do porto é um passo fundamental para a identificação e implementação de medidas de adaptação. Em alguns países já existem diretrizes sobre, por exemplo, a elevação do nível do mar, que podem ser usadas diretamente quando se deseja avaliar os efeitos das mudanças climáticas e um determinado projeto. Porém, quando tais diretrizes não são disponíveis, é necessário analisar os resultados de Modelos Climáticos Globais (Global Climate Models – GCMs) ou até mesmo recorrer a modelos detalhados em escala local para obter as projeções dos parâmetros ambientais relevantes ao projeto.
Mas, afinal, quais parâmetros e processos climáticos são relevantes para o meu projeto portuário e como é possível prever como serão afetados pelas mudanças climáticas? Das diferentes abordagens existentes, a PIANC[2], recomenda que os seguintes passos sejam seguidos:
- Determine o horizonte de planejamento;
- Defina os objetivos específicos de adaptação e resiliência;
- Confirme que parâmetros e processos são relevantes;
- Compreenda as condições ambientais atuais (linha de base), incluindo informações sobre eventos extremos;
- Alinhe o horizonte de planejamento com os cenários de mudanças climáticas;
- Analise os dados atuais (linha de base) e as projeções.
Na sequência abordamos cada um dos passos acima.
1.2 Etapas
1. Determine o horizonte de planejamento
O intervalo de tempo (horizonte) a ser coberto pelo plano ou estratégia de adaptação é um fator importante que afeta diretamente os objetivos da avaliação dos efeitos das mudanças climáticas sobre um projeto portuário.
As infraestruturas portuárias têm em geral uma vida útil de décadas e os impactos previstos das mudanças climáticas aumentam com a vida útil do porto. Sendo assim, a estratégia de adaptação para os ativos existentes e planejados de um porto deve cobrir um período semelhante.
A decisão sobre o horizonte de planejamento de adaptação é crítica porque determina o tipo de dados de mudança climática e a natureza da análise necessária para a avaliação.
2. Defina os objetivos específicos de adaptação e resiliência
Outro passo importante é elaborar objetivos práticos de adaptação. Esses objetivos precisam ser realistas em termos das condições de contorno identificadas, restrições, oportunidades e horizonte de planejamento acordado, mas também devem se relacionar diretamente aos ativos, operações e sistemas críticos que provavelmente serão afetados pelas mudanças climáticas.
Um exemplo de objetivo de adaptação às mudanças climáticas pode ser um porto mais resiliente, capaz de continuar as operações sob condições alteradas.
3. Confirme que parâmetros e processos são relevantes
A decisão sobre quais dados climáticos são necessários e o nível apropriado de detalhes ou sofisticação dependerá:
- da localização do porto;
- da natureza dos ativos, operações e sistemas críticos e os perigos aos quais eles são suscetíveis;
- dos objetivos e escopo da iniciativa de adaptação e seu horizonte de planejamento e os recursos e conhecimento técnico disponíveis.
Um inventário mostrando os impactos aos quais ativos, operações e sistemas críticos são suscetíveis pode ser usado para identificar os parâmetros e processos de relevância.
Para portos costeiros, os parâmetros meteo-oceanográficos geralmente considerados ao avaliar os impactos potenciais das mudanças climáticas são ventos, ondas, correntes, níveis de água[3]. Porém, parâmetros como temperatura do ar, temperatura da água do mar e precipitação também podem ser de interesse, uma vez que podem afetar a visibilidade e outros aspectos operacionais / ambientais / de projeto.
4. Compreenda as condições ambientais atuais (linha de base), incluindo informações sobre eventos extremos
Entender e quantificar as condições existentes é importante, pois isso forma a linha de base para a estratégia de adaptação.
Várias fontes de dados históricos observados, medidos ou modelados fornecem a linha de base a partir da qual as possíveis implicações das mudanças climáticas futuras podem ser avaliadas (veja exemplos na Tabela 1).
A análise dessas informações históricas para parâmetros e processos climáticos relevantes permitirá que a organização portuária:
- entenda os padrões ou tendências recentes existentes, inclusive possibilitando determinar se eles podem estar relacionados às mudanças climáticas;
- compare valores históricos com tendências projetadas, ajudando a decidir sobre um caminho de adaptação apropriado ou faça planos para investimento em medidas de adaptação;
- reconheça quando um limite específico provavelmente será ultrapassado, por sua vez desencadeando uma ação de adaptação, preparação para a próxima fase de implementação ou uma mudança para um método diferente; e
- entenda algumas das características de eventos extremos históricos.
Tabela 1. Exemplos de bases de dados disponíveis para a compreensão das condições ambientais atuais[4].
Conjuntos de dados históricos de longo prazo (como, por exemplo, décadas) devem ser compilados para cada parâmetro ou processo relevante sempre que possível. Esses dados podem ser obtidos de diferentes fontes, como estações de monitoramento e modelos climáticos.
A coleta de dados de linha de base deve cobrir não apenas mudanças lentas nas condições ambientais, mas também eventos extremos históricos. Isso é importante porque é esperado que as mudanças climáticas afetem a frequência, a intensidade, a extensão espacial, a duração e o momento em que tais eventos climáticos e meteorológicos extremos ocorrem.
5. Alinhe o horizonte de planejamento com os cenários de mudanças climáticas
Para entender como as mudanças climáticas podem afetar ativos, operações ou sistemas no futuro, são necessárias projeções de mudanças futuras em parâmetros e processos climáticos relevantes.
Assim como com os dados da linha de base, há diversas fontes diferentes de informações sobre projeções de mudanças climáticas em diferentes resoluções espaciais e temporais. Também há incertezas e, para muitos parâmetros e processos, os níveis de incerteza aumentam significativamente ao longo do tempo.
Embora tendências e padrões recentes possam fornecer um indicador adequado de mudanças futuras de curto prazo, estratégias de adaptação que têm um horizonte de planejamento de 10 a 30, ou além de 30 anos no futuro, exigem que diferentes cenários de mudanças climáticas sejam considerados.
A abordagem de cenário é usada para caracterizar a gama de futuros climáticos plausíveis e para ilustrar as consequências de diferentes caminhos (escolhas políticas, mudanças tecnológicas, etc.). Eles são escolhidos para abranger uma ampla gama sem qualquer vínculo com a probabilidade; os cenários servem como casos “e se”. Nas últimas três décadas, a abordagem para formular os diferentes “cenários” evoluiu de uma centrada no clima (chamada Representative Concentration Pathways – RCPs) para um conceito cada vez mais centrado no desenvolvimento social (chamado Shared Socio-economic Pathways – SSPs), embora com o mesmo objetivo subjacente de fornecer insights sobre uma gama de resultados climáticos plausíveis. Para distinguir a magnitude da força climática, a numeração reflete uma quantidade designada de força radiativa (uma medida da extensão em que os Gases do Efeito Estufa (GEE) na atmosfera aquecem ou resfriam o clima) medida em watts por metro quadrado (W/m2) alcançada até 2100 (ou seja, 1,9, 2,6, 4,5, 6,0 e 8,5 W/m2 de mudança em relação ao período pré-industrial, respectivamente)[5].
Cada SSP impulsiona uma projeção futura correspondente de emissões de GEE e mudança no uso da terra em relação à linha de base. Diferentes futuros de política climática podem ser sobrepostos em SSPs para representar a influência de diferentes escolhas de política climática (por exemplo, mudar de combustíveis fósseis para energia renovável) e a facilidade ou dificuldade em atingir a meta de forçante radiativa do fim do século. Os diferentes cenários de política levam a diferentes níveis de forçante radiativa, com valores mais altos representando efeitos mais fortes de aquecimento climático. Os cenários de SSPs podem ser definidos da seguinte forma[6]:
- SSP1-1.9: emissões de GEE muito baixas – emissões de CO2 reduzidas a zero líquido por volta de 2050; mantém o aquecimento em aproximadamente 1,5 °C acima de 1850-1900 em 2100 após leve ultrapassagem (mediana).
- SSP1-2.6: baixas emissões de GEE – emissões de CO2 reduzidas a zero líquido por volta de 2075; permanece abaixo de 2,0 °C de aquecimento em relação a 1850-1900 (mediana).
- SSP2-4.5: emissões intermediárias de GEE – emissões de CO2 em torno dos níveis atuais até 2050, caindo, mas não atingindo zero líquido até 2100; melhor estimativa de aquecimento em torno de 2,7 °C até o final do século XXI em relação a 1850-1900.
- SSP3-7.0: altas emissões de GEE – emissões de CO2 dobram até 2100; cenário de referência médio a alto resultante de nenhuma política climática adicional sob a narrativa de desenvolvimento socioeconômico do SSP3.
- SSP5-8.5: emissões de GEE muito altas – emissões de CO2 triplicam até 2075; cenário de referência alto sem política climática adicional.
A Figura 1 ilustra as mudanças na temperatura do ar da superfície global em relação à média de 1995–2014 (eixo esquerdo) e em relação à média de 1850–1900 (eixo direito). Ela mostra que os SSPs e as mudanças associadas na temperatura do ar da superfície global são indistinguíveis no curto prazo (até 10 anos) e as trajetórias mostram apenas uma diferença limitada no médio prazo (até 2050).

Figura 1. Séries temporais de mudanças na temperatura do ar da superfície global em relação à média de 1995–2014 (eixo esquerdo) e em relação à média de 1850–1900 (eixo direito) de acordo com o AR65 do IPCC. As curvas mostram médias sobre as simulações CMIP6, os sombreados ao redor das curvas SSP1-2.6 e SSP3-7.0 mostram intervalos de 5–95%, e os números no canto superior esquerdo mostram o número de simulações de modelo usadas.
O uso dos cenários acima para o planejamento da adaptação de um porto às mudanças climáticas dependerá do horizonte de planejamento da estratégia de adaptação. Para horizontes curtos (ex: 10 anos ou menos) o uso dos cenários SSP pode não ser necessário e é admissível estimar as projeções futuras a partir dos dados históricos disponíveis. Porém, para horizontes de planejamento mais longos, o uso dos cenários SSP é recomendável, podendo ser necessário analisar individualmente cada um dos cenários SSP para elaborar a estratégia de adaptação1.
Uma vez selecionados os SSPs, o próximo passo é reunir as projeções climáticas disponíveis para cada parâmetro ou processo climático relevante. As projeções futuras são baseadas em simulações estatísticas ou de modelagem. Para fins de planejamento de adaptação, no entanto, a referência normalmente será feita a partir de dados publicados em vez de realizar modelagem climática personalizada.
Uma boa fonte de projeções regionais ou nacionais pode ser encontrada no site do Centro de Distribuição de Dados do IPCC[7]. Se não for possível ou praticável usar as projeções do IPCC, ou se informações suplementares forem necessárias, deve-se fazer referência a outras projeções regionais ou nacionais recentes de mudanças climáticas de fontes confiáveis para compilar uma gama de possíveis resultados climáticos.
Quaisquer que sejam as fontes de informação usadas, os cenários de limite inferior, “mais provável” e limite superior ou “pior caso” devem ser identificados ou desenvolvidos no mínimo. Testes de sensibilidade também devem ser usados para verificar quaisquer suposições feitas.
Tabela 2. Exemplo de análise das condições climáticas atuais e futuras para o Porto de Manzanillo, no México[8].

Ao analisar dados históricos, deve se distinguir entre variações climáticas ou tendências ligadas à variabilidade natural do ambiente (background). Detalhes sobre eventos extremos periódicos, como ciclones ou furacões, ondas de calor ou secas, devem sempre ser destacados juntamente com tendências observadas em parâmetros ou processos climáticos de início lento relevantes, porque valores extremos podem afetar tendências e valores estatísticos anteriores. Também pode ser útil, ou mesmo necessário, realizar uma Análise de Valor Extremo para identificar e quantificar desvios extremos da mediana das distribuições de probabilidade.
Em todos os casos, o nível de sofisticação nos métodos analíticos selecionados e a apresentação dos resultados devem ser apropriados para: a natureza e resolução dos dados; a disponibilidade de expertise e recursos; e os objetivos da iniciativa de adaptação.
Se os dados estiverem disponíveis apenas na escala global ou regional, pode-se considerar desenvolver modelos em escala local (através de um processo denominado de downscaling) para aprimorar a resolução espacial e temporal das projeções dos modelos existentes e, desta forma, adequar esses dados à realidade do porto. Isto pode ser feito, por exemplo, aplicando o sistema de modelagem MIKE 21 FM para resolver em detalhe as condições de correntes, ondas, níveis de água, entre outras variáveis hidráulicas de interesse para o porto.
1.3 Considerações finais
As etapas descritas acima são importantes para compreender que ativos, operações e sistemas de um porto podem ser afetados pelas mudanças climáticas e para auxiliar na identificação dos parâmetros e processos climáticos relevantes e como eles podem variar sob diferentes cenários. Todavia, essas etapas compõem apenas uma parte do Plano de Adaptação de um porto às mudanças climáticas. O conjunto de informações obtidas dessas etapas deverão ser posteriormente utilizadas para analisar os riscos potenciais associados às mudanças climáticas e, em um estágio final, identificar as opções possíveis de adaptação e resiliência.
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Referências:
[1] – SAE-PR (2015). Adaptação à Mudança do Clima no Brasil em 2040: cenários e alternativas. Brasília. 44 p.
[2] – PIANC Working Group 178 (2020): “Climate Change Adaptation Planning for Ports and Inland Waterways”, Report of EnviCom Technical Working Group 178.
[3] DHI (2016). Marine Climate Change Guidelines. How to achieve sustainable adaptation in marine areas. July 2016.
[4] ANTAQ (2022). Guia para a condução de levantamento de risco climático e medidas de adaptação para infraestruturas portuárias.
[5] Climate Change Knowledge Portal
[6] IPCC (2021). Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Masson-Delmotte, V., P. Zhai, A. Pirani, S. L. Connors, C. Péan, S. Berger, N. Caud, Y. Chen, L. Goldfarb, M. I. Gomis, M. Huang, K. Leitzell, E. Lonnoy, J.B.R. Matthews, T. K. Maycock, T. Waterfield, O. Yelekçi, R. Yu and B. Zhou (eds.)]. Cambridge University Press. In Press.
[7] IPCC
[8] Inter-american development bank (2015). Port of Manzanillo: climate risk management. 76p.
[9] Foto de capa – Foto de Matthis Volquardsen: https://www.pexels.com/pt-br/foto/porto-com-guindastes-2326876/
Escrito por: Rodrigo Andrade - Engenheiro Civil, Especializado em Engenharia Costeira, consultor e sócio na HydroInfo.