COVID-19 e Modelagem Numérica

 em Águas Urbanas, WEST

No cenário de pandemia vivido hoje, a expectativa de se ter a informação de quando teremos um controle definitivo do número de casos e de quando voltaremos a uma vida similar à que vivíamos antes é algo presente no nosso cotidiano desde que a pandemia começou. Devido a essa crescente expectativa, muitos estudos científicos no ramo surgiram e foram alavancados com o intuito de se obter formas de avaliar e controlar a situação em que vivemos.

Em se tratando da área de saneamento, a situação não foi diferente. Novos desafios surgiram quando foram divulgados resultados de análises nos quais puderam ser identificados genes do SARS-CoV-2 em amostras de esgoto doméstico. A partir disso, a Epidemiologia Baseada em Esgoto foi acelerada e ganhou cada vez mais destaque na área científica como uma ferramenta na busca por respostas.

Com o aumento do número de casos e a necessidade de evitar o colapso do sistema de saúde dos países, medidas de prevenção tiveram de ser tomadas. No entanto, uma das grandes dificuldades da pandemia tem sido a compreensão da confiança dos dados de monitoramento de casos feito a partir de resultado de testes na população. É visto que a doença pode ter um período assintomático até que de fato o indivíduo infectado apresente sintomas. Este intervalo de tempo é variável e, além disso, a busca pelo teste e a liberação de seu resultado podem não ser imediatas, o que acarreta um atraso na confirmação do diagnóstico e na contagem real de casos divulgados pelos órgãos responsáveis, tendo como resultado uma subnotificação.[1]

Nesse contexto, a Epidemiologia Baseada em Esgoto surgiu com uma solução para resolver este problema.[2] Estudos recentes relataram que, através da detecção e mensuração de concentração de genes do SARS-CoV-2 no esgoto, é possível informar à população uma projeção aproximada de prevalência da infecção nos próximos dias, bem como fazer um rastreamento do vírus e identificar possíveis focos da doença numa cidade.[3] Modelos numéricos hidráulicos e de sistema de esgoto atuam como os principais aliados no entendimento dessa projeção e no rastreamento feito através dessa metodologia.[4]

Foto de Markus Spiske no Pexels
Foto de Markus Spiske no Pexels

Para compreender como a modelagem é aplicada, primeiramente deve-se levar em consideração que mais de um tipo de modelo pode ser utilizado a depender do foco do estudo. Alguns pesquisadores, focados na projeção de casos, relatam a utilização de modelos hidráulicos de sistema de coleta de esgoto em associação com estimativas de tempo de degradação e decaimento do vírus no efluente, bem como estimativas de carga do SARS-CoV-2 excretadas por pessoa infectada diariamente.[3] Outros estudos com um foco semelhante retratam modelos de predição através de análises de dados com a aplicação de funções de distribuição estatística, com o intuito de aproximar os resultados de amostras a padrões frequentemente encontrados na área de ciências naturais.[5]

Para além dessa consideração, é importante ser pontuado que estudos relacionados a esta área ainda são recentes e, por isso, a compreensão de alguns fatores determinantes, como a cinética de decaimento do vírus no esgoto, necessita de um maior aprofundamento em pesquisas posteriores. [3,6]

Estações de Tratamento de Esgoto e o SARS-CoV-2

No que tange o assunto de tratamento de esgoto e COVID-19, muitas questões podem ser levantadas acerca da presença e da resistência do vírus aos processos aplicados. Afinal, como ele consegue sobreviver nas águas residuais urbanas? Será que os corpos hídricos que recebem o esgoto tratado estão livres da contaminação? Qual operação é capaz de eliminar as chances de sobrevivência do vírus? As respostas para essas e outras perguntas têm sido o alvo de muitas pesquisas atualmente.

Para citar uma delas, recentemente uma pesquisa realizada pela Universidade de Stanford [6] avaliou a presença do SARS-CoV-2 em esgoto sanitário líquido de entrada de uma estação de tratamento da região. A partir desta análise, foi feito um comparativo com a presença em lodo sedimentado de decantador primário, verificando que a presença do vírus no lodo era muito mais expressiva que no efluente líquido. Com isso, a sensibilidade de detecção do vírus no lodo se demonstra mais significativa e, portanto, torna este uma fonte de análise mais recomendada em estudos de rastreamento e projeção de casos em uma comunidade.[3]

Foto de Martin Lopez no Pexels
Foto de Martin Lopez no Pexels

Além disso, através deste estudo foi possível verificar uma maior afinidade do vírus por se fixar em sólidos, o que é relatado também como uma característica de outros semelhantes como adenovírus, rotavírus e outros enterovírus causadores de doenças. Tendo isso em vista, estudos com sólidos como o lodo podem se tornar um foco maior para a Epidemiologia Baseada em Esgoto no futuro, levando em conta demais patologias causadas por essa classe de patógenos.[3]

No que se trata da modelagem numérica, podemos citar como exemplo os estudos feitos por pesquisadores da Universidade Estadual do Arizona [4], nos quais uma análise computacional e modelagem hidráulica foram aplicadas juntamente com equações de cinética de decaimento do SARS-CoV-2 com o intuito de rastrear e verificar projeções da permanência de partículas do vírus em esgoto urbano. Essa aplicação se demonstrou uma ferramenta rápida, robusta e de baixo custo se comparado à aplicação de testes clínicos em massa para a obtenção de dados sobre o número de infectados (sintomáticos ou não) numa região. No entanto, para uma efetiva aplicação desta análise, a consideração da variação da temperatura local deve ser levada em conta, além de dados mais precisos sobre a cinética de decaimento do vírus no esgoto, que ainda demonstra certa incerteza.

Outros estudos realizados, desta vez por pesquisadores do Japão [7], tiveram um foco na análise da variação temporal da concentração de vírus excretado por pessoa infectada que apresentou sintomas, levando em consideração os métodos de monitoramento já aplicados pela Epidemiologia Baseada em Esgoto e como isto pode afetar as projeções feitas do número de casos. Neste estudo, modelos cinéticos foram desenvolvidos para avaliar a concentração de vírus no organismo ao longo do desenvolvimento da doença, além de também considerar o tempo de excreção e a quantidade que é excretada e transportada à rede de esgoto.

Como resultado, foi visto que há uma boa aplicabilidade do modelo e uma considerável aproximação à realidade, sabendo-se que são consideradas concentrações de vírus com variação temporal ao longo da evolução da doença, desde o início dos seus sintomas. Outros estudos que não levam em conta essa cinética e se fixam em dados quantitativos truncados acabam por ter resultados enviesados e podem não representar com precisão a incidência de casos.[7]

No entanto, assim como as demais pesquisas citadas, existem limitações que tornam necessários estudos posteriores para um aprimoramento da análise realizada. Para este último caso, a pesquisa se restringiu a uma determinada área e não considerou a possibilidade de que a progressão da doença pode divergir por idade ou histórico médico dos indivíduos avaliados. Com isso, dados mais precisos precisam ser considerados para uma maior confiabilidade das estimativas feitas.[7]

Assim como indicado por essas e outras pesquisas, os estudos científicos não param e estamos cada vez mais próximos de obter resultados que nos façam compreender melhor o cenário no qual vivemos e as possibilidades de desenvolvimento tecnológico que antes não havíamos pensado. O progresso científico é constante e nos tem permitido alcançar desafios importantíssimos para nossa sobrevivência e nossa qualidade de vida. E assim como mencionado, a modelagem numérica está também presente no desenvolvimento dessas novas descobertas.

Softwares de Modelagem numérica

Foto de ThisIsEngineering no Pexels

Neste mesmo contexto de desenvolvimento científico e tecnológico, softwares de modelagem numérica para estações de tratamento de esgoto e efluentes se demonstram ferramentas potentes em possíveis aplicações de análises computacionais. Tendo uma ferramenta de personalização dos modelos disponíveis no programa, torna-se possível englobar a modelagem já desenvolvida e implementada para uma simulação hidráulica, química e biológica das operações com os modelos matemáticos relativos à presença e permanência do vírus no efluente, por exemplo. O desenvolvimento de um novo modelo global aplicado aos conceitos da Epidemiologia Baseada em Esgoto em conjunto com a modelagem de estações de tratamento de efluentes é um desafio a ser alcançado atualmente.

Contudo, é visto que já existem softwares que apresentam variados modelos bastante flexíveis e aplicáveis a diferentes cenários, bem como permitem a criação de novos modelos do zero para uma simulação dinâmica ou estacionária. Como exemplo, podemos citar o software WEST, desenvolvido pela empresa dinamarquesa DHI, o qual possui um módulo que possibilita ao usuário editar ou criar novos modelos de operações para realizar análises de otimização e simulações. Por permitir esta personalização, ele se torna uma potente ferramenta de estudo no ramo da modelagem aplicada à Epidemiologia Baseada em Esgoto, sendo um auxiliar no desenvolvimento e progresso de pesquisas científicas bem como na área de inovação para estações de tratamento de esgoto e efluentes.

Para mais informações sobre o software WEST para modelagem e simulação de estações de tratamento de esgoto e efluentes, você pode entrar em contato com nossa equipe da HydroInfo e acompanhar a página pelo Linkedin através deste link para mais novidades!

Referências:

[1] – SOARES, A. F. S.; NUNES, B. C. R.; COSTA, F. C. R.; SILVA, L. F. DE M.; SOUZA, L. P. S. E. Modelagem Ambiental para Covid-19 (Sars-Cov-2) em Sistemas de Esgotamento Sanitário como Instrumento Auxiliar nas Ações de Saúde Pública. Hygeia – Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, 24 jun. 2020. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/hygeia/article/view/54636

[2] – SARAIVA SOARES, A. F.; NUNES, B. C. R.; COSTA, F. C. R.; SILVA, L. F. DE M.; SOUZA E SOUZA, L. P. Potencialidades da epidemiologia baseada em esgoto nas ações da Atenção Primária à Saúde em tempos de pandemia pela COVID-19. JMPHC | Journal of Management & Primary Health Care | ISSN 2179-6750, v. 12, p. 1-10, 25 jul. 2020. Disponível em: https://www.jmphc.com.br/jmphc/article/view/1004

[3] – GRAHAM, K. E. et al. SARS-CoV-2 RNA in Wastewater Settled Solids Is Associated with COVID-19 Cases in a Large Urban Sewershed. Environmental Science & Technology. 2021, 55 (1), p. 488-498. Disponível em: https://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/acs.est.0c06191

[4] – HART, O. E., HALDEN, R. U. Computational analysis of SARS-CoV-2/COVID-19 surveillance by wastewater-based epidemiology locally and globally: Feasibility, economy, opportunities and challenges. Science of The Total Environment, Volume 730, 2020, 138875, ISSN 0048-9697, https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.138875.

[5] – ATANGANA, E., OBERHOLSTER, P. J., TURTON, A. R. Will the extraction of COVID-19 from wastewater help flatten the curve? Chemosphere. 2021 May; 271:129429. doi: 10.1016/j.chemosphere.2020.129429. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7784541/

[6] – STANFORD UNIVERSITY. More responsive COVID-19 wastewater testing. ScienceDaily. ScienceDaily, 7 December 2020. Disponível em: www.sciencedaily.com/releases/2020/12/201207091259.htm

[7] – MIURA, F., KITAJIMA, M., OMORI, R. Duration of SARS-CoV-2 viral shedding in faeces as a parameter for wastewater-based epidemiology: Re-analysis of patient data using a shedding dynamics model. Science of The Total Environment, Volume 769, 2021, 144549, ISSN 0048-9697, https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.144549.

Escrito por: Juliana Neves - Eng. Química e Estagiária de Engenharia Ambiental na HydroInfo.
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